Isabela Sekeff
30 de mai. de 2023
A escolha de um bom repertório tem muito mais sutilezas do que pode parecer. Um bom repertório é um fator fundamental para o sucesso do seu grupo e do seu trabalho.
Quando falamos sobre escolha de repertório, logo pensamos nas obras que queremos reger: estilo, gênero, compositores, instrumentação. Pensamos no produto final. Porém, a escolha de um bom repertório tem muito mais sutilezas do que pode parecer. Um bom repertório é um fator fundamental para o sucesso do seu grupo e do seu trabalho. Ele pode estimular e motivar seu coro para excelentes ensaios e uma boa performance; pode desenvolver os cantores musicalmente, fazendo-os crescer e adquirir melhores habilidades técnicas; pode apresentar seu coro a novas estéticas e culturas; e pode arrebatar a plateia. Para isso, é importante saber exatamente que músicas escolher, considerando cada situação de concerto, cada grupo ou cada momento do coro. É necessário entender quais critérios devem ser considerados ao fazer essa seleção: o perfil do coro, a beleza do repertório, o propósito pedagógico com o grupo ou, ainda, a demanda dos patrocinadores ou da plateia. As variáveis são muitas, por isso, ao entender cada uma delas, você poderá ter uma consciência melhor do que é fundamental nesse processo.
A fim de conhecer melhor os grupos com os quais trabalhamos, podemos estabelecer algumas perguntas que nos nortearão a buscar um repertório mais acurado para o seu grupo:
1 – Com que tipo de coro estou trabalhando?
2 – Para que é esse repertório que estou preparando?
3 – Qual o tamanho do meu repertório e quanto tempo tenho para prepará-lo?
1 – Com que tipo de coro estou trabalhando?
A depender de sua motivação inicial, temos grupos com metas, formações vocais, quantidade de cantores e perfil de repertório bem distintos.
Vamos começar pensando na constituição desse coro. O que os motiva a cantar juntos? Por que eles existem e como se nomeiam? É fundamental que tenhamos em mente o componente mobilizador desse grupo, antes de tudo. Afinal, a partir desse princípio, podemos entender sua configuração e, assim, selecionar um repertório que esteja alinhado com o seu propósito. Dentre essas nomenclaturas, podemos destacar:
– Coro de escola (pública ou privada, de Ensino Infantil, Fundamental ou Médio);
– Coro de universidade, escolas técnicas e escolas específicas de música;
– Coro corporativo (empresas públicas ou privadas);
– Coro de associações;
– Coro vinculado a órgão governamental (prefeituras, municípios, Estados);
– Coro de entidades socioeducativas;
– Coro comunitário;
– Coro independente;
– Coro sinfônico;
– Coro religioso (independente da denominação religiosa);
– Coro profissional;
– E outras tantas manifestações que temos no nosso universo coral.
Com algumas exceções, podemos traçar um perfil inicial somente pela descrição de cada grupo. Há perfis com objetivos bem definidos: pedagógicos, sociais, musicais, técnicos, performáticos, profissionais e até econômicos.
Os coros de escola pública ou privada – de Ensino Infantil, Fundamental ou Médio – usam a música como parte da formação global do aluno. Já os grupos de universidades, escolas técnicas e escolas específicas de música têm como principal meta a formação técnico-musical. Coros corporativos, seja de empresa pública seja privada, têm, na sua maioria, o coro como um instrumento da ação de qualidade de vida. Por isso, buscam por meio desse trabalho uma melhor inserção do funcionário nas atividades da empresa. Coros de associações e coros vinculados a órgãos governamentais (prefeituras, municípios, Estados) podem ter perfis diferenciados, a depender da natureza da associação ou das organizações nas quais estejam vinculados. Ora podem se identificar com os coros de empresa, em busca de uma melhor interação de seus associados, ora podem trazer um perfil mais técnico ou até publicitário, buscando um coro que represente a associação, voltada para a prática profissional. Os coros de entidades socioeducativas trazem a vivência coral como instrumento de resgate e de inserção dos indivíduos que acolhem. Seu principal propósito é usar a música e o canto coletivo como uma ferramenta para a construção ou reconstrução desses indivíduos. Os coros comunitários trabalham com comunidades específicas e propõem um objetivo de reconhecimento, valorização e integração dessa comunidade, voltado para a sua própria realidade. Os grupos independentes são bem flexíveis em suas finalidades, pois são construídos inicialmente sob diferentes pretextos. Podem trabalhar com leituras de repertórios específicos (música popular, contemporânea, experimental, dentre outras), podem buscar a alta performance, podem funcionar para grupos que se encontram a fim de se socializarem por meio do canto coral, entre outros focos.
Outras nomenclaturas trazem coros que se definem primordialmente pelos seus repertórios: coros sinfônicos e coros religiosos, por exemplo. Os coros sinfônicos costumam se preocupar em fazer obras de caráter sinfônico (coro e orquestra), enquanto os coros religiosos, como o nome traduz, apresentam obras de natureza sacra. Coros profissionais têm uma personalidade muito específica e se preocupam com a performance, sua excelência e seu papel como grupo de referência cultural. Algumas dessas formações podem ser combinadas, por exemplo: podemos ter um coro religioso independente, um coro sinfônico universitário e assim por diante. De fato, existem muitas denominações corais. É primordial que você, enquanto regente, saiba reconhecer esse ponto de partida e vincular os diferentes objetivos do coro à escolha do repertório em si. Alguns erros na escolha do repertório passam exatamente por selecionar obras que se contrapõem à natureza do grupo em questão.
Outro ponto a ser levantado é considerar quantos cantores temos e qual a formação vocal do grupo com que estamos trabalhando. Dentre as construções mais tradicionais, temos coros de vozes iguais e coros mistos. Dentro de cada uma dessas classificações, ainda é possível trabalhar com variantes que podem nos ajudar a pensar a nossa escolha. Coros mistos (juvenis ou adultos) podem usar formação SATB, SAB, STB, SATBarB, SMzATB, ou ainda trabalhar com divisiem cada uma das vozes. Coros de vozes iguais infantis podem cantar em uníssono, ou usar divisi de duas, três, quatro ou até mais vozes, dependendo da dificuldade do repertório. Assim também, os coros adultos de vozes iguais (SA e TB) podem trabalhar desde o uníssono até uma significativa quantidade de divisi. Saber usar a formação vocal a seu favor ou a favor de seu coro, levando em consideração a quantidade de cantores e as classificações vocais que eles apresentam, pode ajudá-lo a encontrar uma melhor sonoridade e, consequentemente, um repertório mais adequado a sua realidade. Por vezes, insistimos em continuar cantando a quatro vozes (SATB) com um grupo, mas não temos quantidade de cantores suficientes para esses divisi. Não tenha medo de experimentar outras formações. O mais importante na formação vocal é que seu grupo soe equilibrado e balanceado. Ademais, é interessante que você possa se preocupar em trabalhar musicalmente.
Por fim, devemos identificar as características culturais de cada coro e seu nível de musicalidade. Cada grupo traz, por si só, uma personalidade social, cultural e humana, que se reflete diretamente nas suas escolhas musicais. Paralelo a essa realidade, cada grupo apresenta também uma maturidade musical diferente. É importante que possamos trabalhar com esses coralistas, valorizando as suas realidades/identidades e, ao mesmo tempo, estimulando-os e encorajando-os ao contato com novos desafios musicais. A escolha do repertório pode ser o melhor instrumento para lidar com essa dicotomia. Enquanto, por um lado, é necessário trazer músicas que tenham um significado para eles, que faça parte do contexto deles e que seja possível tecnicamente; por outro, temos que saber provocar e instigar o grupo a conhecer outras estéticas e a crescer tecnicamente. Trazer algo desafiador e diferente não significa provocar um choque cultural que seja instransponível, mas abrir espaços para novas construções. Podemos começar trazendo músicas compostas em outras línguas e advindas de outras culturas (que sejam línguas próximas); ou ainda músicas de outros estilos, outros períodos musicais, mas que, de alguma maneira, faça sentido para eles. Introduzir novos elementos, mesmo que devagar, é imprescindível para que seu grupo possa também conhecer a imensidão da realidade do mundo coral que existe.
Somos responsáveis pelo crescimento musical dos nossos cantores. Por isso, se nós não fizermos, quem vai fazer? Então não tenha medo de trazer novidades e de apresentar músicas diferentes da realidade deles. Só tenha cuidado para fazer isso de maneira construtiva, consciente e cuidadosa. Fomente um grupo que saiba escutar diferentes manifestações corais e musicais, com respeito e admiração.
Continua na próxima semana.