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Reflexões sobre a escolha de repertório para nossos coros – 2

Isabela Sekeff

6 de jun. de 2023

Você já pensou claramente qual a sua motivação como regente ao definir esse repertório?

2 – Para que é esse repertório que estou preparando?

 

Quando selecionamos o repertório para nosso grupo, fazemos escolhas pessoais que podem mostrar um pouco da nossa própria personalidade e dos nossos gostos musicais. Você já pensou claramente qual a sua motivação como regente ao definir esse repertório? Devemos optar por um repertório somente pelo nosso gosto ou também por aquilo que podemos fazer com eles? Por aquilo que eles precisam que seja feito ou ainda pelas oportunidades que esse repertório pode trazer para o grupo? O que você pretende trabalhar com seu coro por meio dessas músicas?


Ao pensar na principal motivação que nos leva a considerar um repertório, vamos descobrir que, muitas vezes, nossas escolhas são feitas não por motivos técnicos, mas por motivos afetivos. Com frequência, escolhemos o repertório simplesmente porque achamos bonito, porque já cantamos/regemos algumas dessas músicas em outro grupo ou ainda porque vimos outro coro cantar e gostamos tanto que queremos fazer. Será que essa escolha é exatamente aquilo de que meu coro está precisando? Ou simplesmente resume o que eu, enquanto regente, quero reger? Ao levar em consideração o repertório com que vamos trabalhar com nosso grupo, devemos colocar as necessidades dele em primeiro lugar. Ao não levar isso em conta, corremos o risco de trazer um repertório mais difícil ou mais fácil do que eles podem realizar, um repertório que não se encaixe na sua proposta como coro ou ainda um repertório que não vai ser usado por esse grupo na sua vida prática. A escolha do repertório não é somente sobre nossos gostos ou nossas necessidades como regentes, mas sobre as demandas técnicas e humanas do grupo com que estamos lidando.


Sabemos também que é muito mais fácil fazer uma música que já conhecemos ou que já sabemos o efeito que terá no palco. Mas será que nossos coros não merecem um pouco mais de esforço e curiosidade, a fim de encontrar um repertório que represente exclusivamente o perfil deles (propósito, formação vocal, estilo, motivação)? Certamente, vai dar um pouco mais de trabalho, mas o resultado é impactante. Procure um repertório único, que valorize a formação vocal deles. Escolha músicas que ninguém cante. Faça seu coro ser reconhecido pela personalidade marcante e diferenciada do seu repertório. Faça músicas inéditas. Inove!


Existe outra inquietação um pouco mais profunda em relação a essa motivação principal da escolha do repertório. Muito mais do que cumprir um programa, gostar da música ou ainda atender a uma demanda, é extremamente importante que seu repertório tenha um objetivo pedagógico, independente do tipo de coro com que você esteja trabalhando. Pense primeiramente no que o seu coro precisa adquirir para se tornar um grupo melhor musicalmente e busque esses elementos nas músicas com as quais você pretende trabalhar. Por exemplo, seu coro precisa trabalhar apoio ou sustentação? Unidade? Precisa trabalhar articulação? Ou ainda, você precisa trabalhar equilíbrio ou afinação? Ou, vamos supor, é a primeira vez que eles vão cantar em um grupo com divisão de vozes: seria melhor apresentar uma música homofônica ou um cânone? Use esse momento para introduzir aos poucos os elementos musicais que podem fazer com que seu coro cresça. Construa a percepção harmônica, a precisão rítmica, as diferentes sonoridades, uma boa pronúncia, por meio do repertório que você selecionou. Tenha consciência do que precisa trabalhar e use esse repertório para alcançar seus objetivos musicais. As músicas que cantamos nos grupos, mais do que o resultado final da performance, são também nosso material didático de ensaio. O repertório é o começo, o meio e o fim do nosso trabalho. Às vezes, escolhemos um programa somente pelo tema ou pelo entusiasmo da música em questão; consequentemente perdemos uma das maiores riquezas do planejamento do repertório e do ensaio: a possibilidade de investir no seu grupo e fazer com que eles desenvolvam uma série de habilidades que poderão ser utilizadas a favor deles mesmos.


Então, tenha uma profunda compreensão do que está escolhendo. Use os desafios a favor do seu grupo. Tenha em mente que seu coro tem que estar melhor a cada música e/ou a cada programa preparado. Não podemos nos esquecer de que somos também professores ao lidar com coros amadores e coros em formação. Seja didático nas suas escolhas.

 

Por fim, ao selecionar essas músicas, tenha em mente que cada uma dessas peças gera uma sensação/emoção tanto na plateia como nos cantores. Procure variar esses sentimentos na escolha de seu repertório. Frequentemente escolhemos pequenos contrastes para diferenciar nosso programa. Ora deixamos as músicas mais rápidas para o final; ora fazemos todas as músicas eruditas no começo do programa. Mas será que isso realmente funciona? Será que a plateia já não sabe que isso vai acontecer? Saber escolher um repertório é muito mais do que lidar com dualidades: rápido x lento; erudito x popular; língua estrangeira x língua natal, entre outros contrastes. Um bom repertório explora diferentes sensações do começo ao fim: alegria, amor, afeto, júbilo, compaixão, esperança, liberdade, admiração, pesar, orgulho, empatia, temperança, felicidade, tristeza, firmeza, serenidade, satisfação, coragem, determinação, paz e tantas outras emoções das milhares que nosso cérebro e nosso coração podem sentir. Escolher um repertório baseado somente nas dicotomias deixa seu programa preto e branco. Pense em cores, em texturas, em afetos. Escolha um repertório diversificado e colorido que passeie por vários sentidos. Crie um caminho de emoções e conduza o seu grupo e a plateia por essa jornada.


Continua na próxima semana.

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